sexta-feira, 11 de novembro de 2011

O Encoberto (Fernando Pessoa)


Que símbolo fecundo
Vem na aurora ansiosa?
Na Cruz Morta do Mundo
A Vida, que é a Rosa.

Que símbolo divino
Traz o dia já visto?
Na Cruz, que é o Destino,
A Rosa, que é o Cristo.

Que símbolo final
Mostra o sol já disperto?
Na Cruz morta e fatal
A Rosa do Encoberto.

Iniciação (Fernando Pessoa)


Não dormes sob os ciprestes,
Pois não há sono no mundo.
O corpo é a sombra das vestes
Que encobrem teu ser profundo.
Vem a noite, que é a morte,
E a sombra acabou sem ser.
Vais na noite só recorte,
Igual a ti sem querer.
Mas na Estalagem do Assombro
Tiram-te os Anjos a capa.
Segues sem capa no ombro,
Com o pouco que te tapa.
Então Arcanjos da Estrada
Despem-te e deixam-te nu.
Não tens vestes, não tens nada:
Tens só teu corpo, que és tu.
Por fim, na funda caverna,
Os Deuses despem-te mais:
Teu corpo cessa, alma externa,
Mas vês que são teus iguais.
A sombra das tuas vestes
Ficou entre nós na Sorte.
Não ’stãs morto, entre ciprestes.
Neófito, não há morte.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Demonius est ego internus (Lucas Dulce)


Gargalho,murmuro e morro!
Uivando em claras noites
de lua cheia e açoites.
Tremo, temo e não corro!

Encaro a fera refletida
de um espelho turvo e taciturno
em um abismo curvo...noturno.
Presença de Deus invertida!

O silêncio que habita por fora!
Não revela o Caos que tenho por dentro!
Falsos amores, paixões e eu no centro.
Mero astro noturno à espera da aurora!

E em um final triste sem rima!
Esqueço regras e códigos!
Apenas berro:
- Me lancem ao Inferno! Esqueçam que eu existo! Talvez em novas eras eu ressurja, como um santo...ou talvez, mais humano...humano, demasiado humano!